sexta-feira, novembro 28, 2014

Ronaldo, Messi e os outros

JOSÉ MALHOA
As Padeiras, Mercado em Figueiró
1898
As televisões insistem em promover Cristiano Ronaldo como bandeira de um patriotismo pueril... Pobre Cristiano Ronaldo — esta crónica de televisão foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (21 Novembro), com o título 'Ronaldo & Messi'.

Não sei se o leitor gosta de ver futebol na televisão como eu gosto. Em todo o caso, atrevo-me a pensar que, mesmo gostando, terá sentido a sua paciência a claudicar face às infinitas especulações que envolveram a presença de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi no Argentina-Portugal de terça-feira [18 Nov.]. Porque era o duelo dos dois melhores jogadores do mundo... Porque cada um deles ia tentar mostrar que era melhor que o outro... Porque a atribuição da Bola de Ouro se ia decidir nesse jogo...
Nem mesmo o facto de Fernando Santos ter declarado publicamente que já tinha entregue o seu voto trouxe alguma razoabilidade a tanta especulação gratuita, quanto mais não fosse lembrando que o troféu em causa diz respeito a um ano de actividade (em que cada um dos candidatos terá participado numa boa meia centena de jogos) e que o Argentina-Portugal era apenas um encontro particular. Isto para já não falarmos do atestado de incompetência que, implicitamente, se passa a figuras como Gareth Bale, Diego Costa, Mario Goetze, Neymar ou Arjen Robben, todos eles incluídos na lista oficial de candidatos à Bola de Ouro.
Como se isto não bastasse, Ronaldo e Messi desapareceram ao intervalo do jogo (substituídos por Ricardo Quaresma e Nicolas Gaitan, respectivamente). Teria sido um pretexto interessante — quero eu dizer, jornalisticamente pertinente — para questionar a lógica de um evento hiper-valorizado pelos discursos televisivos dominantes. Como? Perguntando, por exemplo, porque é que as vedetas que sustentam toda a promoção do jogo, afinal surgem apenas para cumprir uma figuração mais ou menos secundária.
No caso português, tudo isso é tanto mais deprimente quanto Ronaldo passou a ser frequentemente tratado (entenda-se: noticiado) como símbolo sagrado de um patriotismo pueril em que a salvação da pátria parece depender do próximo troféu que poderá conquistar ou recorde que conseguirá bater... Convenhamos que é esperar demais de Ronaldo e exigir muito pouco à nossa identidade colectiva.