terça-feira, novembro 25, 2014

Os meus 100 livros (3)

Michael Cunningham
‘As Horas’ (1998)

Entre os muitos livros de ficção que foram já escritos com livros e escritores como matéria prima, As Horas, de Michael Cunningham, ocupa um merecido lugar de destaque. O seu mais aclamado livro – venceu o Pulitzer, entre outras distinções – toma um livro como ponto de partida: o histórico Mrs. Dalloway, de Virginia Wolf. Mas do livro faz nascer três personagens que habitam uma narrativa que assim se projeta em três épocas. Em primeiro lugar a sua autora, Virginia Woolf. Depois uma leitora, que se entrega a estas páginas entre cenas do seu quotidiano na América de meados do século XX. Em terceiro lugar uma figura do nosso tempo, que parece uma encarnação da personagem criada por Virginia Woolf, embora habite um outro local numa outra época. E é num constante diálogo entre estes três tempos, que na verdade se cruzam porque há a escrita de Virginia Woolf a ligá-los, que nasce uma narrativa que, mesmo dispersa entre três cenários distintos, afinal respira o sentido de coesão de um corpo uno.

Colocando a ação dos três períodos no curso de um mesmo dia – algo que acontecia já no livro de Virginia Woolf que aqui é o claro ponto de partida – Michael Cunningham não só revisita o espaço de alguém que escreve um livro como o de quem o lê (e ali encontra fuga possível para um dia-a-dia vazio num tempo de silenciosa secundarização do papel da mulher na vida social) como depois projeta no tempo presente os ecos dessa ficção original, ao colocar na pele de uma mulher na Nova Iorque de finais do século XX, com um amigo doente com sida. Esta presença marcante de um escritor na medula de uma nova ficção seria retomada pelo próprio Michael Cunningham em Dias Exemplares, desta vez com Walt Whitman em foco. 

Adaptado pouco depois ao cinema por Stephen Daldry, com figuras como Nicole Kidman, Julianne Moore e Meryl Streep no elenco, As Horas assinalou a chegada ao mercado português da escrita de Michael Cunningham, abrindo portas às edições de títulos anteriores como Sangue do Meu Sangue e Uma Casa No Fim do Mundo. Desde As Horas todos os seus livros têm conhecido edição entre nós, salvo um pequeno volume dedicado a Provincetown, que na verdade não é uma ficção mas um exercício no espaço da chamada literatura de viagens. 

Do mesmo autor:
1990. Uma Casa no Fim do Mundo 
1994. Sangue do Meu Sangue
2005. Dias Exemplares