terça-feira, julho 22, 2014

O apocalipse segundo Terry Gilliam

Terry Gilliam continua a falar de mundos futuros, habitados pelos fantasmas da tecnologia... Ou será apenas o nosso presente? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Julho), com o título 'O museu do apocalipse'.

Qohen Leth, figura central de O Teorema Zero, é um especialista em computadores a viver num mundo construído à imagem do “Big Brother” (não o horror televisivo do nosso presente, entenda-se, mas o futuro que George Orwell consagrou como padrão dos fantasmas de todas as evoluções tecnológicas). E se é verdade que os seus dotes lhe permitem enfrentar as mais delirantes configurações informáticas, não é menos verdade que há nele uma angústia radical: cada vez que o telefone toca, Leth espera que alguém, finalmente, o esclareça sobre... o sentido da vida!
Terry Gilliam
A simpatia que nutrimos pelo realizador de O Teorema Zero talvez nos leve a dizer que estamos perante mais um típico delírio cinematográfico com assinatura de Terry Gilliam (já agora, a meu ver, francamente mais interessante que os seus títulos mais famosos como Brazil ou 12 Macacos, respectivamente de 1985 e 1995). Assim será, mas com uma diferença que importa sublinhar. É uma diferença conceptual: a proliferação de ecrãs, a vida comandada pelos gadgets da tecnologia ou as relações humanas substituídas pelos links virtuais, tudo isso, sendo bizarramente futurista, não deixa de pertencer ao nosso presente.
O modo como o notável Christoph Waltz [foto em cima] compõe a personagem de Leth é revelador: descobrimo-lo como um anti-herói de um mundo cada vez mais desumanizado, ao mesmo tempo exibindo o anacronismo simbólico de um monge medieval obrigado a evoluir numa paisagem em que Deus teima em remeter-se a um pesado silêncio. Aliás, por alguma razão, Gilliam coloca-o a viver num espaço que tem tanto de igreja abandonada pelos fiéis como de museu fundido com a própria ideia de apocalipse. Dito de outro modo: o fulgor visionário de O Teorema Zero nasce da discussão das imagens e dos seus peculiares poderes.