sábado, julho 26, 2014

1921, Ellis Island (2/2)

A chegada dos emigrantes a Ellis Island, no porto de Nova Iorque, é revisitada por James Gray num filme que evoca a saga de uma mulher polaca que desembarca nos EUA, em 1921 — esta crítica integrou um dossier sobre A Emigrante, publicado no Diário de Notícias (24 Julho).

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Não é fácil lidar com o cinema de James Gray. Por uma razão que, sendo de natureza formal, acaba por ser contratual. Neste sentido: construir um filme — em boa verdade, qualquer narrativa, nem que seja o alinhamento de um jornal televisivo — é estabelecer um contrato com o espectador. Em sentido literal: define-se uma lógica de apresentação de factos e temas; estabelecem-se padrões de verdade e critérios de verosimilhança; enfim, conduz-se o espectador para um lugar em que tudo isso adquira algum sentido, ainda que ambivalente ou efémero.
Pois bem, Gray, há que reconhecê-lo (com respeito e admiração), possui uma ambição desmedida. E ao contar a história de Ewa, a mulher polaca que chega, desamparada, aos EUA, em 1921, A Emigrante é um filme que está muito longe de se satisfazer com uma mera lógica de “crónica” histórica. Mais do que isso: Gray parece querer situar-se como discípulo dos grandes épicos romanescos de Hollywood, de Griffith a Minnelli, de Way Down East (1920) a Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (1962), propondo uma deambulação com tanto de mergulho na intimidade das personagens como de parábola sobre o destino de toda uma nação.
Tudo se complica a partir do momento em que Gray vai sujeitando as suas personagens a uma espécie de demonstração simbólica em que o determinismo dramático pesa mais do que a singularidade das emoções. É um facto que A Emigrante conta com a prodigiosa Marion Cotillard, uma actriz que resiste a qualquer unicidade emocional — nela, cada gesto parece conter ou sugerir a coabitação com o seu oposto, emprestando-lhe uma vulnerabilidade comovente e rara. Mas é difícil não experimentar a sensação de que o realismo cru que Cotillard sabe trabalhar, afinal, é um dado secundário no programa estético de James Gray.