sexta-feira, julho 25, 2014

1921, Ellis Island (1/2)

A chegada dos emigrantes a Ellis Island, no porto de Nova Iorque, é revisitada por James Gray num filme que evoca a saga de uma mulher polaca que desembarca nos EUA, em 1921 — este texto integrou um dossier sobre A Emigrante, publicado no Diário de Notícias (24 Julho).

Por vezes, há filmes que têm de vencer uma espécie de maldição comercial. Por um lado, parecem reunir as componentes temáticas e artísticas susceptíveis de mobilizar públicos muito diversos; por outro lado, vão ficando “adiados” nos labirintos do mercado, como se ninguém soubesse como promovê-los junto dos potenciais espectadores. É o caso de A Emigrante, com assinatura de James Gray, para muitos um autor de culto da produção americana das últimas duas décadas.
Estamos perante um épico sobre a emigração para os EUA que teve o seu lançamento na prestigiada secção competitiva do Festival de Cannes de 2013. Além do mais, A Emigrante apresenta um elenco de luxo, liderado pela francesa Marion Cotillard, contracenando com Joaquin Phoenix e Jeremy Renner. O certo é que, nos meses a seguir ao certame, o filme (genericamente recebido em Cannes com admiração, mas sem grandes entusiasmos) apenas estreou na França, Bélgica e Luxemburgo, só começando a surgir noutros países a partir dos primeiros meses de 2014. Nos EUA, o distribuidor (The Weinstein Company) foi mesmo protelando o lançamento, concebeu uma campanha com novos cartazes e só o colocou nas salas no mês de Maio, precisamente um ano depois da passagem em Cannes. Portugal é um dos derradeiros países a lançar A Emigrante, antecedendo apenas o Brasil (em Setembro).
Será que podemos deduzir que o próprio tema do filme o tornou um insólito alien da actual produção americana? Provavelmente, a resposta é afirmativa. De facto, não se pode considerar que a evocação da chegada dos europeus a Ellis Island, em Nova Iorque, lendária porta de entrada nos EUA, seja um assunto corrente de um cinema que, para o melhor e para o pior, tem vivido marcado pelo domínio dos blockbusters, quer de super-heróis, quer de aventuras de animação.
Ewa (Cotillard), a personagem central do filme de Gray, não é uma super-heroína nem, muito menos, uma princesa dos desenhos animados. Quando chega a Ellis Island, em 1921, proveniente da Polónia, acompanhada pela irmã (Angela Sarafyan), Ewa só consegue ser aceite no país porque um protector “espontâneo”, Bruno (Phoenix), suborna um oficial da polícia. A partir daí, Ewa, Bruno e o seu primo Emil (Renner), que ganha a vida com espectáculos de ilusionismo, vão definir um triângulo amoroso, ou melhor, potencialmente trágico.
E se é verdade que A Emigrante se apresenta como um testemunho sobre as atribulações de uma época marcada por muitas formas de violência, não é menos verdade que Gray vai deslizando para a contemplação dos seus três protagonistas, aliás de acordo com uma lógica romanesca que já marcou alguns dos seus títulos anteriores — Duplo Amor (2008) poderá ser um significativo exemplo, curiosamente também com Joaquin Phoenix, contracenando com Gwyneth Paltrow e Vinessa Shaw. Em qualquer caso, foi o próprio Gray que afirmou que, até à data, A Emigrante é o seu filme “mais pessoal e autobiográfico”, inspirando-se na história dos seus avós, “chegados aos EUA em 1923”.